quarta-feira, 29 de abril de 2015

Ouve...

O problema não são as horas que passo a dormir. Também não são os escassos momentos em que estou acordado, esses são água fresca em dias de muito calor; esses são anestesia, um charro bem fumado, um passeio em Nova Iorque. Esses, minutos sumidos de uma concentração que já me é quase desconhecida, esses, são refúgio de uma vida sonhada.
O problema são os sonhos. Nada que necessite de uma prolongada conversa de sofá com um estranho ou uma pesquisa online pelo significado daquela aranha de 9 patas que me perseguia às três da manhã, que hora estúpida. Não, desses não me lembro, durmo num elevado nível de abstracção quase alucinada que termina usualmente em sobressalto ao som do despertador do telemóvel com efeitos ctrl+alt+delete. Falo de sonhos de olhos abertos e mente confusa. Esses!
O problema são esses sonhos.
Sempre pensei que as horas, cada vez mais, trouxessem com elas uma sabedoria quase eremita sobre a minha "humanização". Afinal, os mais velhos, a maioria deles, transmitem uma calma aparente que tudo leva a crer numa aceitação da mediocridade do sonho. E com frases tipo conselho e um sorriso quase trocista, levam-nos a crer que já ali estiveram, já acreditaram, mas não mais. Com isto sempre acreditei que, à semelhança desses mais velhos, iria mais tarde compreender que os sonhos são, apenas, isso mesmo. Acreditei que, como eles, fosse capaz de re-trabalhar o meu acordar.
Acontece que...não.
Quantas mais horas passam daquele domingo chuvoso, quase época natalícia, em que o destino resolveu fazer-me, mais tempo passo desacordado.
Acabei de me levantar da cadeira para acender um cigarro. E digo isto porque necessito...de um cigarro diga-se. É uma arma letal contra a minha impaciência face à espera. Ou face a outra coisa qualquer que me ocupe o tempo entre o agora e o próximo sonho.
Como uma criança "menos" crescida, pareço sofrer de uma irreverência inoportuna. Qual miúdo mal educado que acena aos pais com a cabeça e mente descaradamente às escondidas. Não sou capaz, é-me incompreensivelmente impossível deixar de acreditar...nos sonhos.
A música não me recorda momentos, cria-os. O passado não me trás memórias, inventa-se em períodos alternativos. Os anos não me trazem desapego, parecem galopar em direcção a conquistas ainda mais apegadas.
Quantas vezes olho para cima e num desabafo quase inaudível conto do meu cansaço? Num desafogo inconsciente atiro-me ao chão e peço que me deixem em paz, os sonhos, esses! Mas não. E toda a minha perspicácia é derrotada por uma crença na lógica de um sentimento maior que eu. E acredito, volto a acreditar e a gritar silenciosamente.
Não sou capaz de me render.
Então, amplifico o som que sai dos meus desejos. Quero amar eternamente, perdidamente; Beijar uma só boca até que as estrelas se apaguem; Viajar os 4 cantos e a todos me apegar; Cantar; Chorar; Arrepender-me do destino; Contar que assim sou.
Fui palco de amor perdido e carpa pescada por anzóis envenenados. Fiz do céu a profissão e do mar uma paixão. Lutei, berrei, atormentei. E quero tanto mais (...).

We flow, we descend, we turn... and the eternal dreamer moves among us like light, like evening air. (Conrad Aiken)


domingo, 5 de abril de 2015

Liberdade


Como barulho de fundo permanece uma qualquer música dos Vangelis, de preferência uma que toque bem fundo. Porque sim! Porque posso. Há uma permanente forma de sonhar, entendem? Já não um simples sonho. É que desses há muitos e basta a maravilhosa simplicidade do tempo para atingir, devagar, cada um...todos. É sentir que vale a pena andar sozinho de mãos dadas com seja quem for e deixar que cá dentro se ouçam aqueles risos das crianças. 
Vejo nos desabafos dos outros a saudade de não sentir mais saudades, ou outros medos ou outras vontades. Que impuras maldades. Eu desejo sofrer, correr, viver ou até morrer. Carregar o meu corpo inerte até ao cimo de um monte. Sentir que nada controlo, deixar que o tempo me deixe exausto. Porque não? Porque sim!
Quero seguir regras que desconheço e fintar as dos pergaminhos. Roubar tempo aos outros e enchê-los de simples cores. Ou então cavalgar completamente só, de semblante carregado em dias de chuva p'ra que me sigam as dores. É assim que nada domino. Assustar os demais, com encontros banais e deles nunca falar.
Sou um papel amarfanhado deixado num canto de uma mesa, que carrega segredos e mensagens tremidas, com letras pintadas e frases não lidas. Aguardo o vento da esquina, ou um tornado descontrolado que me leve onde quiser. Serei pó de giz pintado num quadro negro, mensagem de branco ali deixada, livre para voar com o simples sopro de quem vier.



(não pretendo dar nova vida a este blog, mas hoje apeteceu-me...é tempo de Páscoa e gosto da palavra milagre)