sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Libertar




Pausa. Uma decisão perdida no tempo. Desacelero a respiração. Tudo à minha volta serenou. Tempo de unir os calcanhares...deliberar sobre as gavetas que me rodeiam. Em cada uma está cada um...cada uma. tempo de as fechar. Até o mosquito que teima provar-me, bate as asas lentamente. E crio tempo para mim...
Decisões. Olhar para trás e relembrar todas as decisões, mal amadas ou eternas paixões...escolhas. Apagar, "delete", "Shift+delete"...olhar à volta e planear.
Estou inerte, num tapete rolante de um aeroporto. Passam por mim manequins de olhares perdidos e a câmara filma-me à contra-luz. Não me mexo. Fecho os olhos e quase não respiro. Não preciso.
Aproxima-se a poltrona da sala de espera. Sons irradiam de pequenos altifalantes...teclas de pianos afinados acompanham este cortejo. Terminar com o passado. Eis novas faces, novos risos e sorrisos...ainda agora começou.
Aquela cativa tinha-me cativo. O vento roubava-lhe aquele caracol, era o o meu...e morreu. E beijos naquela cave de música, olhares ternos e "nãos", tantos "nãos" terminados em lençóis. A morte de um sorriso ao fim daquela tarde, porque vozes passadas se ergueram. Gritos de desespero pelo erro de amar, erradamente. Tudo isto deixou, nesta pausa, o sentido.
E naquele tapete de encontro ao negro fosco daquela poltrona, cai o cigarro da manhã...tão valioso que mata, qual sabor ao veneno de Shakespeare. Cai chocolate de leite, em árvores pendurado...invisível. Caem cabelos longos, desdenhados, desgrenhados de um cinzento gasto, velho, cansado. Caem lentes e canetas de cor... Ali estarão para o lixo os apanhar...Passado...Futuro.
De leve tacto sente-se o couro. Poltrona gasta de sonhos, eis-me ali sentado. Refaço-os, não pendentes ou reabertos. São novos, desmedidos, destemidos. Chega de abutres memórias, inconstantes "sins" e violentos "nãos". Mas porque de aspas vivi, relembrando cada momento. E daí o cansaço. A perda do medo, da responsabilidade sempre presente que esmorece os berros, risos, sorrisos e...felizes tarde ao sol, de corpos banhados, nus, excitados.
Quero sonhar com campos abertos, sem nada a perder. Quero beijar mil bocas sem me arrepender...provar sentidos de ser, gritar planetas em paz. Sentir o trigo nas mãos enquanto desafio a gravidade, de pés descalços e olhar em volta àquela luz. Sem pesos...de asas abertas à consciência. À minha consciência, de mim.
Quero gozar com fantasmas, bruxas desunhadas. E com elas por terra, não olhar para trás, jamais. Levitar sem segurança, ter fé e nada mais. Fechar os olhos à muralha, trespassá-la como fumo e confundir-me com as nuvens. Ser o meu centro e nada temer.
Chega de felicidades alheias, de tempos passados, de queques furados. Parem as comportas do sal. Encham de sangue o coração, façam-no tremer, atirem-no ao chão e livrem-se dele...só assim. Transportem vestes simples e olhos abertos de quem vê...verdadeiramente. Soltem-me as cordas que me agarram ali e ali...e ali. Solto-me, agora...porque me lembro de mim.



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