segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O voo da mosca

São 1h25 da manhã. Tomei a decisão que não durmo, hoje. Vou sair dentro de poucos minutos e por isso preparo a asas do meu fato escuro para o frio que se avizinha. Levo o caderno de notas onde escrevo, a cada minuto, a experiência de não ter de parar.
Sigo em direcção ao Norte. A cidade está ao meu alcance e nela vejo cores alaranjadas. Os carros, lá em baixo, passam a correr deixando dois rastos vermelhos sangue, uns atrás dos outros.
Abstraio-me do frio e do vento que tanto afectam o meu esforço e sigo caminho.
Passo na praça. O município, ao fundo, lembra-me tempos em que o barulho ensurdecedor do fogo-de-artifício quase me deita ao chão. Tempos de desnorteio. 
Frente a uma estátua dorme um cão, peludo, enrolado em si próprio. Consigo sentir o seu odor que me atrai e onde quero chegar, mesmo antes de violentamente ser sacudido pela cauda. Sigo caminho.
Passo veloz pela torre mais alta da cidade, bem iluminada por gigantes holofotes que teimam em cegar-me. Por isso não olho para baixo. Continuo em direcção ao mar, quero ver as ondas e nelas (quase) tocar enquanto se elevam no alto antes de atingirem a costa. 
As ruas estão vazias. Nem vivalma. Consigo ouvir o som do vento enquanto deslizo pela costa até à rede. Felizmente é grande e através dela passo facilmente, qual teia de aranha gigante. Escapei.
Decido atravessar o parque. Fico atento ao bater das árvores para que não me atinjam. Quero viver mais.
Olho para o leão que domina a águia e não deixo de achar que deve haver uma razão para estarem ali.
Há pessoas ali. Metidas em caixas de cartão, preparam-se para dormir. Ignoram-me por completo, parecem não me ver, embora olhem para mim. Queria dizer-lhes que ali estou, mas não me ouvem.
Decido continuar e vejo-me agora combalido pelo som de um veículo de luzes azuis que rodam. Que barulho estranho e repetitivo. Quando pára sinto um cheiro forte e dali escapo.
Sigo para Este, onde a escuridão das montanhas, ao fundo, me parece confortável. Passo uma encruzilhada de ruas, luzes, veículos e pessoas estranhas até que me deparo em frente a um círculo. É enorme! Dentro, um relvado extenso, a cheirar a fresco. Faltam ali muitas pessoas, penso. Parece-me.
Continuo agora para o Sul, terras mais quentes aguardam pelos visitantes. Não sou um deles.
Apanho boleia de alguém para atravessar a ponte. Aí faz frio a valer, tenho de me precaver.
Do outro lado deixo quem me levou e sigo o meu caminho.
Estou já perto do meu destino mas antes quero dar um salto a uma casa, especial. Ando em torno desta na esperança de te encontrar, afinal, é para isso que voo! Estás ali, de olhos fechados, deitada numa cama pequena. Consigo uma maneira de me aproximar e toco a tua mão. Por segundos pareces-me confortável, mas depressa abanas a mão e saio a correr. 
Parto agora, de novo, em direcção a casa. Gosto do meu canto, da minha Praia!
Até lá, limito-me a pensar em quem és, em como te vejo. Chegado a casa sorrio. Foi um bom passeio. Quero repetir!

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