O problema não são as horas que passo a dormir. Também não são os escassos momentos em que estou acordado, esses são água fresca em dias de muito calor; esses são anestesia, um charro bem fumado, um passeio em Nova Iorque. Esses, minutos sumidos de uma concentração que já me é quase desconhecida, esses, são refúgio de uma vida sonhada.
O problema são os sonhos. Nada que necessite de uma prolongada conversa de sofá com um estranho ou uma pesquisa online pelo significado daquela aranha de 9 patas que me perseguia às três da manhã, que hora estúpida. Não, desses não me lembro, durmo num elevado nível de abstracção quase alucinada que termina usualmente em sobressalto ao som do despertador do telemóvel com efeitos ctrl+alt+delete. Falo de sonhos de olhos abertos e mente confusa. Esses!
O problema são esses sonhos.
Sempre pensei que as horas, cada vez mais, trouxessem com elas uma sabedoria quase eremita sobre a minha "humanização". Afinal, os mais velhos, a maioria deles, transmitem uma calma aparente que tudo leva a crer numa aceitação da mediocridade do sonho. E com frases tipo conselho e um sorriso quase trocista, levam-nos a crer que já ali estiveram, já acreditaram, mas não mais. Com isto sempre acreditei que, à semelhança desses mais velhos, iria mais tarde compreender que os sonhos são, apenas, isso mesmo. Acreditei que, como eles, fosse capaz de re-trabalhar o meu acordar.
Acontece que...não.
Quantas mais horas passam daquele domingo chuvoso, quase época natalícia, em que o destino resolveu fazer-me, mais tempo passo desacordado.
Acabei de me levantar da cadeira para acender um cigarro. E digo isto porque necessito...de um cigarro diga-se. É uma arma letal contra a minha impaciência face à espera. Ou face a outra coisa qualquer que me ocupe o tempo entre o agora e o próximo sonho.
Como uma criança "menos" crescida, pareço sofrer de uma irreverência inoportuna. Qual miúdo mal educado que acena aos pais com a cabeça e mente descaradamente às escondidas. Não sou capaz, é-me incompreensivelmente impossível deixar de acreditar...nos sonhos.
A música não me recorda momentos, cria-os. O passado não me trás memórias, inventa-se em períodos alternativos. Os anos não me trazem desapego, parecem galopar em direcção a conquistas ainda mais apegadas.
Quantas vezes olho para cima e num desabafo quase inaudível conto do meu cansaço? Num desafogo inconsciente atiro-me ao chão e peço que me deixem em paz, os sonhos, esses! Mas não. E toda a minha perspicácia é derrotada por uma crença na lógica de um sentimento maior que eu. E acredito, volto a acreditar e a gritar silenciosamente.
Não sou capaz de me render.
Então, amplifico o som que sai dos meus desejos. Quero amar eternamente, perdidamente; Beijar uma só boca até que as estrelas se apaguem; Viajar os 4 cantos e a todos me apegar; Cantar; Chorar; Arrepender-me do destino; Contar que assim sou.
Fui palco de amor perdido e carpa pescada por anzóis envenenados. Fiz do céu a profissão e do mar uma paixão. Lutei, berrei, atormentei. E quero tanto mais (...).
We flow, we descend, we turn... and the eternal dreamer moves among us like light, like evening air. (Conrad Aiken)